"O amor é a força mais sutil do mundo." -- Mahatma Gandhi

sexta-feira, 27 de maio de 2011



Embriaguez 


Tão instigante é o vinho
que sirvo-me do cálice com avidez
e fico assim, desarmada de mim:
o coração exposto - de amor incandescido,
a mente escancarada - o inconsciente abrindo a guarda,
a alma em catarse - entregue à alquimia do seu gosto.
E vou assim, sem sustos nem receios,
sem pressa, com gestos lassos.
Um pé na sorte outro no sonho,
e no trançar dos passos entrelaço a dualidade do caminho
indo ao encalço das meninas visionárias dos meus olhos
que se adiantam além do horizonte,
à luz nascente, refletindo-a em minha fronte. 

E se as palavras que borbulham em minha boca
são delírios, se extrapolam a razão,
onde estão os meus censores,
onde está quem me contenha?  
Eu, por mim, quero mais vinho,
me embeber, me emprenhar de sua essência,
permanecer assim
nesta minha lúcida loucura,
viver assim
sob o esplendor da aurora!  
Que a vida é vinha verdejante
às mãos do Vinhateiro num eterno frutear!
E o vinho generoso, borbulhante,
do cálice etéreo, inesgotável a transbordar!

                                      Isabel Pakes

Imagem Google

sexta-feira, 20 de maio de 2011



Pirexia



Ah... esse não ser doentio e consumado.
Esse pensar retrógrado, impenetrável,
essas trevas...
Essa febre permanente e corrosiva!

Camuflagem do teu superego.
Idéia fixa.
Talvez um vício!
Autocomiseração!

Por tua culpa, tua culpa, tua máxima culpa!
Tua covardia.
Teus sentimentos nocivos.
Teus pecados(?).

Ah... Valores falsos, rançosos e poeirentos!
Por tua culpa, tua culpa, tua máxima culpa
ardes agora nesse fogo intenso
e para sempre,
cego aos tempos de remissão.

Como sangrar os teus demônios
se são o pão e o vinho da tua mesa?

                                        Isabel Pakes




terça-feira, 17 de maio de 2011



Haikai

Flor, olor, amor...
Ele, ávido beija-flor
e ela, rubra.

                                                      Isabel Pakes




"José"
Do poeta Carlos Drumond de Andrade
na belíssima interpretação do ator Paulo José.






domingo, 15 de maio de 2011



Entrelaces

Eu vi a moça na janela,
desbotada, estática,
como que parada no tempo,
como se num retrato antigo.
E ouvi do outro lado da rua
um trinado de pássaros
musicar uma árvore.

A moça tinha o rosto apático
e olhos escuros e frios e opacos,
como se condutores telúricos,
vazassem abismos.
Tentando um alento
armei meu sorriso e lhe disse:
- Bom dia!
Ela desconversou.
Alegou mau humor, fadiga, fastio...
Funesta!

A árvore era linda!
Amante da vida,
proliferava raízes e folhas e folhas
e folhas;
frondosa abria-se aos céus!
Não dava flores nem frutos,
mas dava... pássaros!
Precursores da primavera.

Apiedei-me da moça, eu juro!
mas mudei de calçada
e abracei a árvore.

Isabel Pakes



quarta-feira, 11 de maio de 2011



Flor de Lótus
                       de  Rabindranath Tagore


No dia em que a flor de lótus desabrochou
a minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
de um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão,
procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
que ela era minha, e que essa perfeita doçura
tinha desabrochado no fundo do meu coração.




Rabindranath Tagore -  Escritor, poeta e músico indiano.
O primeiro asiático a receber o Prêmio Nobel de Literatura (1913),
 aclamado "o grande mestre" por Mahatma Gandhi.


"O meu poema é a resposta da alma ao apelo do universo."
--
Rabindranath Tagore



sábado, 7 de maio de 2011



Punhado de amor

Naquela manhã de maio
a criança no quintal
juntou pedras pequeninas,
miúdas pedras mimosas
e correu barraco adentro,
em conchas entreabrindo
as mãozinhas estendidas:

- Manhê! Eu trouxe um presente.
Olhe como elas brilham
quando à luz do sol expostas!
Está contente? Você gosta?
 
Naquela manhã de maio
o bolso do avental
ficou cheio de pepitas,
as mais belas e preciosas,
o maior entre os tesouros!

- Eu gosto muito, meu anjo,
são lindas, maravilhosas!
E não existe no mundo
nada que para mim
tenha igual ou maior valor
que o seu punhado de amor!

                                                      Isabel Pakes


terça-feira, 3 de maio de 2011



Não seja quase, um pouco, um tanto...

 Não seja o amor, em mim, estagnado,
lago lodoso, mórbido, escuro,
depositário do ego e seus parasitários,
que a hipocrisia agrega e a apatia adere.
 
Não seja inerte, omisso, estático,
notas insossas sem acidentes,
gotas viciosas no mesmo tom.

Não seja pobre, fraco, frouxo,
um veio tímido, lasso, ralo, raso...
Não seja estéril, não se evapore vão.

Não seja morno. Frio e quente
são estados diferentes
que o sentir não pode temperar.

Seja canto e contra-canto,
riso e pranto, docilidade e espanto,
Mas, não seja quase, um pouco, um tanto...
Que o verbo não conjuga meio-amar.

Seja fluente, borbulhante, intenso!
Entregue em plenitude,
sem medo de secar no anseio de se dar,
que a nascente é em mim,
mas a água é do oceano.

Seja o amor, em mim, água jorrante,
transbordante! Rio caudaloso, forte, vivo!
Arraste em corredeiras gravetos mortos
e das flores que arrebate leve as sementes
aonde o néctar anda escasso e os colibris ausentes.

                              Isabel Pakes