"O amor é a força mais sutil do mundo." -- Mahatma Gandhi

domingo, 31 de julho de 2011




Transcendência


Mergulho o olhar no fundo do espelho
e me guardo dentro dele,
que eu mesma não me possa divisar.
 
Cristalizo a minha imagem
deixo pesar essa âncora...
que eu me ausente, mas não deixe o lugar.
 
Abro minhas imensas asas,
espano o pó dos pés
e saio de mim,
diluindo-me no tempo e no espaço.
 
Leve - mais que a pluma,
livre - mais que o ar,
experimento o meu vôo e gosto!
 
Ensaio um bailado novo sobre minha sombra fria
e rio-me de sua impotência ante a mudez dos meus passos.
 
Fortaleço-me no que quero!
Liberta que estou
das tramas da carne e dos ossos,
tudo alcanço. Tudo posso!
 
Visualizo teus pensamentos e vou buscar-te.
Emaranho-me nas espirais dos teus devaneios 
e te arrasto além dos limites da tua imaginação,
onde o silêncio absoluto é a expressão mais forte da palavra
e o sentimento mais oculto se extravasa em comoção!
 
É quando tu te despes dos teus zelos e pecados
e te entregas a mim, com toda a nudez do teu eu eterno.
 
É quando te descobres SANTO
e eu te reconheço HOMEM!
e me apresso em aparar-te o pranto.
Porque preciso do sal das tuas lágrimas
com que temperar o meu depois...
 
Depois. Quando emergir do espelho...


                                                  Isabel Pakes

Criação do meu amigo, médico e artista plástico,
Aristeu Antonio Costa. Imagem de capa
de "Transcendência", livro de minha autoria.


quinta-feira, 28 de julho de 2011




"A poesia é o sentimento que sobra ao coração
 e sai pela mão."  -- Carmen Conde


 

sexta-feira, 22 de julho de 2011



Pássaro estelar 


Ah! Este pássaro...
Conhecendo meus anseios se adiantou no caminho
e se fez meu guardião.

Adestrou os meus fantasmas, encantou as minhas bruxas,
dançou com minhas fadas...
Abriu passagens secretas nos meus sonhos de criança
e me levou do outro lado para brincar nos jardins,
alimentou-me com rosas e águas de arco-íris...

Em meio aos meus devaneios,
sobrevoou minha infância
modelando em nuvens minhas garatujas
e, às noites, pendurando em recortes coloridos
minhas estrelas no céu.

No transcorrer do meus anos, ao transmutarem-me os sonhos,
pressentindo meus sobressaltos no eclodir de sentimentos
que eu não sabia doer tanto,
aninhou-se no meu peito,
provando comigo o sal, o fel, um pouco de mel às vezes
e o fogo!

Depois, vendo-me às tontas, às escuras,
no expirar das minhas ilusões,
tomou para si meus desconfortos
e se fez a minha luz!

E sabendo-me aprendiz do uni-verso,
apurou os meus sentidos
e à mente me segredou a arte de transcender,
indo bem alto comigo, mais alto a cada vez,
estendendo-me as fronteiras
aos mistérios que não são...

Milagre da minha crença,
asas dos meus anseios,
este pássaro em mim!
 
                                                           
                                                 Isabel Pakes

Imagem de "pássaro" de gás e poeira ao redor da estrela Zeta Ophiuchi
(olho do pássaro), capturada pelo Telescópio WISE da NASA.



segunda-feira, 18 de julho de 2011



Haikai

Entre a rosa
e o jacinto, em meu jardim,
o amor-perfeito.

                                                          Isabel Pakes



quarta-feira, 13 de julho de 2011




Às tardes

 
Às tardes, o horizonte pintado de sol poente
é o porto onde ancoram meus olhos,
barcos de esperanças.

As nuvens franjadas de ouro, súditas fiéis,
reverenciam o grande rei que é posto.
A primeira estrela aparece prenunciando o luto.
Pesaroso o céu se despe de sua veste azul.
A luz se ausenta.
O dia é morto. Mais um...

Meus olhos, nascidos pranteadores,
envolvidos nesse rito, fazem água.
Náufragos crepusculares, retornam a mim vazios,
porém ávidos de uma nova razão...

E tudo recomeça.
Lá se vão estes barcos contumazes
navegar por entre estrelas,
içar dos sonhos o novo amanhecer.

                                             Isabel Pakes





terça-feira, 5 de julho de 2011



Versos Áureos de Pitágoras

Preparação

Presta a Deus imortal o culto consagrado;
conserva a tua fé; dos vultos do passado,
ou santos ou heróis, louva a divina ação.

Purificação

Sê bom filho e bom pai; sê justo como irmão;
amável como esposo; escolhe como amigo
aquele que tiver luz pra repartir contigo
e dê conselhos bons que o porte não desminta.
Se o fogo das paixões for cinza nele extinta,
imita o seu exemplo, escuta o seu conselho,
sê tu, pra o refletir, um voluntário espelho;
jamais te afastes dele por fútil discrepância;
enjaula dentro em ti a fera da arrogância.

Sê sóbrio, ativo e casto; evita a irritação;
à raiva fecha a alma, ao ódio o coração.
Em público ou privado o mal jamais pratiques;
a quem te der lições escuta e não critiques.
Respeita-te a ti próprio; o sábio verdadeiro
nada diz, nada faz sem refletir primeiro.

Sê justo. As más ações são catacumbas frias
pra sepultar, na morte, os bens e as honrarias;
toda a riqueza é vã se foi contra um dever,
o fácil de ganhar é fácil de perder.

O cálice de amargura imposto pela sorte
aceita-o resignado; ele te fará mais forte.
Em mil, fiéis ao erro, um só busca a verdade,
mas Deus protege o sábio e livra-o da maldade.

O filósofo aprova ou condena sem tédio
e onde encontrar o erro incapaz de remédio,
afasta-se e espera. “Afasta-se e espera!”
Grava bem esta lei, medita-a, considera
quanta inútil pendência ela pode evitar-te.
Com todos sê cortês, sê nobre em toda a parte,
não dês exemplos maus nem os sigas tão-pouco;
agir sem fim nem causa é proceder de louco.


Olhos e ouvidos cerra a todo o preconceito,
a todo o fanatismo ou julgamento feito
preconcebidamente e só por teimosia;
 seja tua e só tua a razão que te guia.


Não pretendas fazer o que a tua ignorância
não permitir; o tempo, a atenção e a constância
hão de trazer-te um dia o poder que te falta.
Aprender a Servir, eis a ambição mais alta
que deve nortear a tua vida inteira.
Cuida bem do teu corpo; o trabalho aligeira
quando ele se queixar, mas não lhe satisfaças
apetites boçais; as dores e as desgraças
começam quando o corpo ordena mais que a alma;
se o serves uma vez, já nunca mais se acalma.


Do luxo ou da avareza os males são iguais,
diferentes na aparência, irmãos em tudo o mais.
Procura encontrar sempre o justo médio termo,
pois nenhum corpo é são estando o mental  enfermo.
Formula, ao despertar, o teu programa honesto
e nunca pra amanhã deixes ficar um resto.

Perfeição

Antes de adormecer, repassa no mental
As  ações que fizeste ou pra bem ou pra mal.
Não repitas as más, insiste só nas boas,
estende a compaixão aos animais e às pessoas;
a cada novo esforço, a cada prova rude,
acenderás em ti a luz duma virtude.
Assim sublimarás a Tétrada Sagrada,
a tua quaternária e cósmica morada,
alma, espírito e corpo – um embrião de Deus.

Procura com fervor abrir os olhos teus
à  luz que vem do Olimpo; o teu esforço é vão,
se o céu te não cobrir da sua protecção;
só ele pode acabar as obras que começas
e dar-te, para o bem, o auxílio que lhe peças.


Estuda a Natureza, aprende a lei sublime
que rege a imensidade e que à matéria imprime
a  vida universal. Perante estudos sérios,
abrem-se pouco a pouco as portas dos Mistérios.
Então descobrirás a luz do teu destino
que, por divino amor do nosso Pai Divino,
é vir colaborar no plano do Universo,
com Deuses de quem tu és «Uno», mas diverso.

Então desprezarás todo o desejo fútil;
verás que o sofrimento é criação inútil
dos erros e do vício e da maldade crua,
da torva insensatez dos outros e da tua.


O homem vive e morre a procurar um bem,
sem nunca reparar nos bens que em si contém.
Quem não souber ser bom não sabe ser feliz,
é náufrago num mar de praias sempre hostis;
e entre o fraguedo atroz que a riba lhe apresenta,
não pode resistir nem ceder à tormenta,
porque não descobriu que transporta consigo
um farol pra o guiar a salvamento e abrigo.


Por entre os vendavais dessa jornada ignota
tem cada qual de abrir a sua própria rota.
Uma extirpe divina impõe à humanidade
buscar no mar do erro o porto da Verdade;
a Natureza ajuda o homem no caminho,
nunca o desamparou, nunca o deixou sozinho.

Homem sábio, homem bom, tu que já penetraste
os mistérios da vida e mediste o contraste
entre o Bem e o Mal, concentra-te um momento
e medita que Deus, ao dar-te o Pensamento
e muitos outros dons que refletem os Seus,
fez-te um Ser Imortal, porque és tu próprio um Deus. 

Versos atribuídos a Pitágoras (c. 580 a.C – 500 a.C) -- Tradução: Félix Bermudes



sábado, 2 de julho de 2011



É preciso


É preciso, antes do replante, revolver a terra;
retalhar raízes que, irreverentes, se torceram,
se tramaram... perderam-se das origens;
demover as ervas que, daninhas, se embrenharam nos trigais.

Que a seiva retorne ao seio.
Que vicejem as espigas
e se multiplique o pão!

É preciso alentar a terra;
lancetar as chagas, remover as pedras, dar vazão às lavas...
Dissolver as nuvens, destilar as águas, saciar-lhe a sede.
Que se refrigere!

Que essa febre cesse,
essa dor se aquiete,
que se cicatrize!

É preciso temperar a terra,
afastar as sombras, dar passagem à luz
que se lhe adentre no cansado ventre
e o restabeleça do desconforto da nossa inconsequência.
Que outra vez fecundo possa germinar a paz!

Sobretudo, é preciso cultivar a fé e preservar virtudes,
até que, preparada a seara, venha o lavrador
selecionar as mudas. 
                                                    
                                           Isabel Pakes 


 Imagem Google