"O amor é a força mais sutil do mundo." -- Mahatma Gandhi

quarta-feira, 30 de maio de 2012



Entre o tempo e o acaso

De quando em quando ela relia o seu “caderno de recordações”, deixadas pelos amigos na adolescência “... para que mais tarde, ao folheá-lo, lembre-se com carinho...” Porém, faltava-lhe uma folha, a primeira. Ela a arrancara num ímpeto de desencanto e, pelas mãos de um amigo comum, a enviara junto de outras lembrancinhas, dentro de uma caixinha azul embalada como para presente, àquele que nela havia deixado a sua “recordação” e que, então, encontrava-se numa cidade distante, para onde fora buscar a realização de um sonho, mas, lá, diante de novas e melhores perspectivas, o transmutara... e lá permanecera. E ela parara de devanear, desviando o curso do rio de sua vida. Depois disso vira-o muito raramente, por acaso e à distância, quando em visita aos parentes, ele vinha à sua cidade. Todavia, no “caderno”... 

Ao contrário do que pensara, a ausência daquela “recordação” mais a fazia recordar... Inquietava-a mais e mais, a cada vez que o folheava. Intrigava-a. Se, pelo menos, ela se lembrasse do que ele teria escrito... Sempre tivera ótima memória, como fora esquecer? Aquela folha existiria ainda, quem sabe largada no fundo de uma gaveta, num velho armário... Haveria possibilidade, mesmo que miraculosa, de recuperá-la e reler... e saber... ? Ah, parca esperança! Parca, mas esperança.

O tempo avançava... Naquela tarde, a dor trespassava o coração de uma casa em luto, bem perto de onde morava, e ela fora prestar sua solidariedade. Sobre uma caixa de fotos, as lagrimas de uma mulher se derramavam inconsoláveis, dividindo com ela as imagens de suas lembranças, e uma criança pequenina foi até o armário, pegou outra caixa de fotos e a entregou em suas mãos. “Veja esta caixa, você.” Mas, ao colocar a mão dentro da caixa para pegar um maço de fotos, seus dedos pinçaram uma folha dobrada, em meio a elas. De pronto e trêmula, ela reconhecera aquelas bordas em linhas vermelhas que ela mesma traçara em cada página do seu “caderno”, havia mais de três décadas. Isto é meu! Exclamou eufórica, esquecida da razão por qual se encontrava ali naquela hora, para espanto da dona da casa, que por alguns minutos “suspendera” suas dores. Como, seu!? Dentro da minha caixa... Não pode ser seu! E o que é isso, que eu nunca vi?

Mas, era dela, sim! Aquela folha! Aquela “recordação”! Como fora parar dentro daquela caixa de fotos, depois de enviada para longe e há tanto tempo, vagas suposições... Mas, era fato que aquelas fotos vieram de uma outra casa, dali mesmo, de sua cidade, onde, num dia de grande faxina, uma caixa de guardados fora encontrada dentro de um velho armário. Um tanto disforme, cheirando a mofo e, sem mais razão de ser mantida, como pensara quem a encontrou, fora lançada ao fogo com tudo o que continha. Dela, nada restara. Aquela folha, provavelmente, estaria dentro dela e, se escapou do fogo, fora obra do acaso. Explicação que lhe deram. Obra do acaso também, a folha passar desapercebida a outros olhos, sabe-se lá por quanto tempo, e ser encontrada por ela, dentro daquela caixa de fotos, onde por acaso foi parar e que, casualmente, a criança entregara em suas mãos.

Assinada e datada por ele, sob uma frase... um pensamento poético dele, aquela folha continha a transcrição de uma poesia de J.G. de Araújo Jorge. Casualidades ou não, fato concreto é que por mais de trinta anos resguardada entre o tempo e o acaso, aquela “recordação” retornou às mãos dela, retomando o seu lugar no “caderno” e, casualmente, tal como diz o poeta em uns dos seus versos, quando...  “....quando o tempo branquear os teus cabelos hás de um dia mais tarde, revivê-los nas lembranças que a vida não desfez...”.

              Isabel Pakes







segunda-feira, 21 de maio de 2012

 
Retrato falado

De olhar expressivo 
que o tempo, parece, não quer violar. 
Em estado de novo, sem jaça. 
Como se os ventos de outono 
jamais hovessem soprado. 
Como se o brilho da luz da primeira hora 
nele tivesse se perpetuado. 
  
De sonhos azuis 
onde ilhou seu castelo 
e com seu príncipe valente 
para sempre se escondeu. 
Lá o amor é seu senhor! 
E não há dores nem prantos, 
nem sinais de trovoadas, 
nem mesmo bruxas malvadas 
(por mais que lhe tentem o espanto) 
que a façam despertar. 
  
De sorriso vivaz, 
no embalo da ciranda 
sempre, sempre a cirandar. 
Como se as flores da infância 
se guardassem indeléveis 
e se pudesse colhe-las 
num breve estender de mãos. 
Como se a inocência 
pudesse a qualquer momento 
ser facilmente resgatada 
de entre as folhas ingênuas 
do seu livrinho de estórias, 
aquele seu preferido, 
guardado em sua memória. 
  
Mulher, moça e menina. 
Três almas numa Maria! 
Augustas são todas elas, 
não porque Augusta a chamaram, 
mas porque augusta se fez! 

                                                   Isabel Pakes

Dedicado a Maria Augusta Amorim Nunes, uma amiga muito querida. (1992) 



segunda-feira, 14 de maio de 2012




Qualquer dia

  
Qualquer dia destes 
eu vou me vestir de brisa 
e brincar nas ondas  
dos teus cabelos. 
  
Qualquer dia destes 
eu vou me vestir de riso 
e me embalar na rede 
da tua boca. 
  
Qualquer dia destes 
eu vou me vestir de brilho 
e refletir no espelho 
dos teus olhos. 
  
Qualquer dia destes 
eu vou me vestir de amor 
e me guardar no cofre  
do teu coração. 

                                                        Isabel Pakes