Apatia
A noite me viu tão triste que chorou estrelas...
E enviou-me a brisa que me sussurrasse um acalanto,
adormecesse em mim tanto quebranto,
tanto desejo de não ser...
(Tanta querença e este desencanto!)
Mas o meu ego, surdo e cego, recoberto por escamas,
dessas que a alma tece para abafar as chamas, custava serenar.
Então veio a alvorada!
Adiantou-se em sua hora em meus cuidados,
beijou-me a boca, a fronte, os pés...
Que a luz viesse dissipar-me as brumas,
se infiltrasse em minhas amarguras e me sanasse, enfim.
Minúsculos sóis se pontilharam, às dezenas,
na transparência das gotas orvalhadas e em mim...
em mim, nada!
(Tanto ardor e este frio!)
E me encontraram as Onze-Horas
ainda recolhida ao desconforto.
Essas florinhas tímidas se me abriram
com uma humildade santa que quase, quase me alentaram,
não fosse em mim a dor maior que a fé, neste instante.
(Tanto néctar e este acre!)
Tanta vida e esta apatia!
Aonde foi a seiva que me vicejava e o mel que me adocicava?
Aonde foi você?
Isabel Pakes (1966)